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Típica família Pomerana (Família Griep) Homem (sentado) irmão de Martha Griep Raddatz |
"O TEXTO QUE ILUSTRARÁ ESTA PÁGINA, DESDE RELATOS DE CRENÇAS, HÁBITOS, COSTUMES, CULINÁRIA, RELIGIÃO, ESCRITA... SERÁ FEITO POR MARTA HINZ
"A PARTE DA DIGITALIZAÇÃO E EDIÇÃO, SERÁ FEITO POR JEDERSON LUDWIG SCHWANZ."
Olá leitores!
É com grande alegria que aceitei o espaço que me foi concedido neste blog, e hoje começo a escrever sobre os Pomeranos. Tenho como meta tratar da questão histórica, cultural e religiosa deste valoroso povo, do qual com muito orgulho sou descendente.
Espero que o que vou partilhar aqui nesta página, possa contribuir para que o respeito e a compreensão nunca se extinguam em relação aos nossos descendentes Pomeranos; e também valorizar esta língua que aqui em nosso município de Canguçu, felizmente ainda é bastante falada.
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Vó materna, Alma Radatz Hinz |
Desde 2006 então que me sinto mais atraída pela cultura e história germânica; e tenho me cobrado e aventurado a escrever pequenos textos; que futuramente pretendo publicar aqui.
Quero lembrar que não sou especialista no assunto, apenas gosto de ler e compartilhar assuntos com outros interessados na mesma cultura. Ainda não tive a oportunidade de conhecer a terra dos meus ascendentes, é um sonho que um dia pretendo concretizar...
Uma preocupação que tenho a respeito da língua é o fato de eu ter nascido no ano de 1980 e a maioria das pessoas de minha idade já não mais falarem o Pomerano. Entendo que o avanço tecnológico está muito acelerado, porém não podemos esquecer nossas origens ou simplesmente permitir apagar da história uma língua tão antiga.
Um pouco de história...
Como diz um ditado, povo sem história é povo sem cultura; então vou tentar resumir alguns tópicos do interessantíssimo livro de autoria de Helmar Reinhard Rölke, "Descobrindo Raízes". Conforme este livro, a história do lugar hoje chamado Pomerânia é misteriosa, através de escavações foram encontradas sepulturas que datam de 10 mil a 4 mil anos antes de Cristo. Um desses povos sepultava seus mortos em sepulturas forradas de pedra; e outro povo cremava seus mortos e armazenava as cinzas em pequenas urnas.
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Foto (Internet) |
No século V depois de Cristo as terras pomeranas foram aos poucos sendo tomadas por povos eslavos, e entre eles estavam os russos, os poloneses e os wendes. Os wendes começam a habitar o litoral do Mar Báltico por volta do ano 600 depois de Cristo; e a palavra wende quer dizer habitantes da grande pastagem.
Sabe-se que a palavra Pomerânia vem da língua wende, Po Morje, que significa terra perto do mar. Os wendes também deixaram como herança os sufixos nos sobrenomes como ow, (exemplo de meu sobrenome, Treptow), aw, aff, ke, in, itz, tz.
Historiadores acreditam que era um povo nômade e que possuía rebanhos; porém em solo pomerano começaram a ter residência fixa. Pouco sabe-se de seu caráter, somente o que viajantes alemães deixaram relatado, que era um povo persistente, hospitaleiro e amante da liberdade e da natureza.
Conforme o livro, a Pomerânia é uma terra boa, bem aguada, próxima do mar e rica em alimentos, e por estes motivos, por um longo período, de 175 a 1.128, já na era Cristã, esta terra foi palco de muitos conflitos, o que vitimou grande parte da população wende; que sempre lutou para defender seu território. Em síntese, vários países tentaram conquistar a Pomerânia militarmente, porém foi a Alemanha que conseguiu, pacificamente, construindo igrejas e postos de abastecimento e venda; e desta forma, aos poucos, a Pomerânia vai se tornando dependente, comercialmente e culturalmente, da Alemanha.
Segundo consta no livro do sr.
Helmar, a germanização da Pomerânia ocorreu porque os pomeranos queriam se
resguardar da invasão dos poloneses, logo se empenharam em atrair alemães; e a
Alemanha, por sua vez, aceitou o
chamado, cristianizando em solo pomerano e ao mesmo tempo visando objetivos
comerciais. Acredita-se que o processo de germanização ocorreu entre 1.128 e
1.400, em nossa era Cristã. A vinda de alemães para Pomerânia, a mistura de
raças (casamentos entre pomeranos e alemães), as guerras e surtos de peste
foram os principais acontecimentos que praticamente terminaram com a identidade
dos pomeranos.
Este livro também conta que, a
partir de 1.400 fala-se na Pomerânia o Pommersch-Platt, derivado do baixo
alemão e usado como língua oficial para o comércio e cultura; e que foi
assumida por toda a população da Pomerânia. Vale lembrar que o baixo-alemão tem
este nome porque era falado em todas as regiões banhadas pelo Mar do Norte e
Mar Báltico; a Baixa Saxônia é tida como região que originou o baixo-alemão.
As guerras foram catastróficas
para o povo pomerano, suecos, russos,
prussianos, em fim, todos queriam aquele território, ninguém se importava
com as pessoas que ali viviam, os
interesses eram políticos e vinham em primeiro lugar.
Após a era de Napoleão Bonaparte,
no ano de 1.815, no Congresso de Viena, ficou decidida uma remodelação no mapa
da Europa; e a Suécia, que tinha parte da Pomerânia, teve que deixá-la
para a Prússia, que já tinha a outra
parte; e desta forma foi instituída a Província Prussiana da Pomerânia.
Acredito que cabe aqui fazer uma
pequena colocação, para fins de melhor entendimento, o que era Reino da
Prússia, atualmente pertence, quase que totalmente, para a Alemanha, apenas uma
parte ficou para a Polônia e a Rússia. Em algumas literaturas, atualmente, é
possível encontrar o uso do termo “prussiano” como sinônimo de pessoa
profissional, agressiva e conservadora.
A Pomerânia tinha vocação
agrícola, porém com o início da cristianização e consequente chegada de
agricultores alemães, por volta de 1.124 a 1.128, as pequenas propriedades dos
pomeranos começaram a ser substituídas por grandes propriedades, surgindo desta
forma o sistema feudal, e a maioria dos agricultores pomeranos passaram a ser
operários rurais, servos diaristas.
Os servos tinham que trabalhar
para o seu senhor, dono do feudo, e num pequeno espaço que lhes era concedido,
ali podia trabalhar para si, porém apenas dois dias na semana, os outros cinco
dias de trabalho tinham que ser para servir o senhor feudal. Além deste
trabalho para o proprietário do feudo, ainda tinham que pagar por qualquer
coisa que fossem usar, como pelo uso do
forno coletivo para assar pães,
moagem do trigo e até construção de estradas.
No sistema feudal, o servo tinha
pouca terra, e ainda assim tinha que cumprir o sistema de cultura trienal, ou
seja, para evitar o desgaste do solo, uma parte da terra sempre tinha que ficar
em descanso por um ano, logo só sobravam duas partes da terra a serem
cultivadas a cada ano.
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Mapa que retrata a Pomerânia em 1800, com alguns escudos das famílias nobres e castelos dos príncipes feudais. (Foto,internet) |
A situação do povo pomerano, de
classe mais humilde, com o passar dos anos só decaiu. Em 1.820 foi aprovada a
lei que estabeleceu a obrigação de pagar impostos, à toda a população. Com o
avanço tecnológico, como a invenção da máquina a vapor e a invenção do adubo mineral, por volta do ano de 1.850, os latifúndios
cresceram ainda mais, deixando poucas ou nenhuma perspectiva para o povo
pomerano que trabalhava no campo; e pelo motivo da falta de perspectivas e de terra, e pela sobra de mão-de- obra, o povo começou a ir para os portos, onde
os navios os levavam para outros países,
e dentre eles, o Brasil.
CRENÇAS E COSTUMES...
Falando de pomeranos então, posso dizer, por experiência própria, que é um povo muito supersticioso. Uma criança, por exemplo, no seu primeiro ano de vida não podia ser fotografada e também não podia se olhar no espelho; também antes de completar quatro meses, não era permitido cortar as unhas e cabelos, etc; passava a correr menos perigo somente após a mãe ir ao primeiro culto depois do parto, por volta de seis semanas. Todos estes receios são porque se acredita que a alma da criança ainda pode querer voltar para com os anjos, ainda está muito frágil.A escolha dos padrinhos de uma criança é algo muito especial, acredita-se que as suas virtudes serão passadas para a criança.
Épocas como do Natal e do Ano Novo também são cercadas de muitas crenças. Lá na Pomerânia, o Natal acontecia no forte do inverno, sempre com ventos fortíssimos, e estes poderiam trazer espíritos malignos, por isso no período das 12 noites, entre 24 de dezembro e 6 de janeiro, todo o cuidado era pouco... para espantar os poderes do mal, se fazia muito barulho, especialmente na última noite do ano, soltando fogos, que ainda são usados até hoje, e em todo nosso país. Talvez para o brasileiro tenha outro sentido, mas para nós pomeranos, é para espantar as coisas ruins.
Eu não tive a oportunidade de participar deste costume que vou agora relatar, porém meus avós muito falaram do polterowend; que é um ritual de quebrar louças, e acreditava-se que através do barulho produzido se poderia afastar os maus espíritos. Este quebra louças era realizado nas sextas-feiras à noite. Um fato que achei curioso é que não era permitido quebrar vidros, pois estes simbolizavam sorte; somente poderiam ser quebradas louças de porcelana e cerâmica. No livro do senhor Helmar está o relato de como este costume era praticado lá na Pomerânia. Dentro da sala, atrás de uma mesa, sentavam-se os noivos, as irmãs ou parentes mais próximos, e estes recitavam versos e faziam brincadeiras, e desta forma se iniciava o quebra louças, acompanhado de muita gritaria e barulho de panelas sendo batidas umas nas outras.
As louças tinham que ser jogadas na porta da
casa; e em alguns lugares, a juventude se reunia e se encarregava de trazer
ainda mais entulhos,; somente para que os noivos tivessem ainda mais trabalho;
pois tinham que limpar tudo até o sábado de manhã, dia do casamento.
Outro costume nos preparativos de um casamento é a vizinhança levar uma galinha, que é abatida e usada na sopa. A galinha tem um significado especial para nós pomeranos, ela fica solta no pátio e sempre vê tudo, cacarejando quando nota coisas que lhe são estranhas; e por este motivo se serve carne de galinha nos casamentos, para que os convidados possam receber um pouquinho desta percepção aguçada das galinhas, e deste forma ajudar o novo casal a sempre seguir pelo melhor caminho. Eu muito carreguei galinhas aqui na vizinhança, confesso que ficava muito triste, visto que eu adorava minhas galinhas e inclusive dava nome a elas...
Durante o casamento, ocorrem
várias danças, dentre elas a das cozinheiras , a dança do bolo, etc; e uma bem
importante, a dança da noiva, a brutdanz. Nesta dança os noivos dançam com
todos os convidados da festa, independentemente da idade, desde que já sejam
confirmados.
Outra peculiaridade de nosso povo está
relacionada ao tema morte; é cercado por crenças. O pomerano não tem medo da
morte, a tenta encarar de forma natural. Quando uma pessoa está muito doente, é
costume chamar o pastor para ofertar a Ceia do Senhor ao doente. Sempre é de costume fechar os olhos da pessoa
falecida, quando ficam abertos, para o olhar desta pessoa não recair sobre
nenhum vivo; acreditavam que se isso ocorresse, aquela pessoa seria a próxima a
morrer.A boca da pessoa morta também deve ser fechada, para que não possa chamar ninguém para ir com
ela para o mundo dos mortos. È de costume também, avisar da morte, todos os
animais e plantas que pertenciam ao falecido (a).
Costume que ainda presencio é que
quando morre uma pessoa, os relógios da casa são parados e os espelhos
cobertos. O relógio parado simboliza que
mais um relógio da vida deixou de funcionar, e os espelhos são tidos pelo povo
pomerano como algo para cultivar a vaidade, o que poderia atrair forças do mal,
e por este motivo se cobre os espelhos, para evitar que forças negativas
exerçam poder sobre a alma do morto.
A história nos fornece dados que
nos faz crer que a cristianização na Pomerânia teve início em 1.124, pela
Alemanha; e embora eu saiba que existem muitas pessoas que odeiam os alemães,
não sou uma delas; acho que se a Alemanha não tivesse entrado na Pomerânia,
outro país o teria feito, pois a situação era caótica, muita pobreza, porque
praticamente todas as guerras acabavam respingando na Pomerânia, era uma rota
para o mar. Aqui em nosso país, conforme me contavam meus avós, muitos
pomeranos foram torturados; mas porque os brasileiros os confundiam com
nazistas; o que prova grande desinformação por parte das pessoas que governavam
naquela época; muito triste...
Voltando à cristianização, a
partir de 1.500 começaram a ocorrer discordâncias em relação à atitudes
daqueles que representavam a igreja; os impostos eclesiásticos estavam muito
elevados; e foi neste clima que surgiu a Reforma, presidida por Lutero, em
31.10.1517.
No Brasil este povo pomerano,
embora longe de muitos familiares que ficaram lá, sempre tentou e tenta manter
viva a cultura. Lá na Pomerânia trabalhavam para o seu senhor, aqui tiveram que
seguir no mesmo ritmo, acordando muito cedo e como se diz, “se virando”, para
não morrerem de fome em solo brasileiro.
CRENÇAS E COSTUMES...
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Falando de pomeranos então, posso dizer, por experiência própria, que é um povo muito supersticioso. Uma criança, por exemplo, no seu primeiro ano de vida não podia ser fotografada e também não podia se olhar no espelho; também antes de completar quatro meses, não era permitido cortar as unhas e cabelos, etc; passava a correr menos perigo somente após a mãe ir ao primeiro culto depois do parto, por volta de seis semanas. Todos estes receios são porque se acredita que a alma da criança ainda pode querer voltar para com os anjos, ainda está muito frágil.A escolha dos padrinhos de uma criança é algo muito especial, acredita-se que as suas virtudes serão passadas para a criança.
Outro costume interessantíssimo é o seguinte, os pais, no dia em que
a criança completa um ano, coloca na frente dela um pedaço de pão, uma moeda e
um livro; o objeto que a criança pegar representa o que ela terá em abundância
ao longo de sua vida; dizem que fizeram isso comigo!...
O povo pomerano, embora hoje
cristianizado, acredita em bons e maus espíritos, sendo que os maus seriam os
causadores de doenças; e por este motivo é que existem inúmeras rezas e
magias. Estas rezas são passadas de uma
geração para outra. Conta minha mãe que minha bisa auxiliou muita gente, porém nunca cobrou nada por estes préstimos.
Outro fato que chama atenção nos
pomeranos é seu famoso apetite, tanto de comida como também de bebida; tanto é
que há registros que lá na Pomerânia as propriedades maiores tinham sua própria
destilaria! Este costume ainda é bem comum em festas pomeranas, que são regadas com
muita bebida e comida, se a festa é durante o dia, é todo o dia, e se a noite,
é toda noite, é uma herança wende!
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Épocas como do Natal e do Ano Novo também são cercadas de muitas crenças. Lá na Pomerânia, o Natal acontecia no forte do inverno, sempre com ventos fortíssimos, e estes poderiam trazer espíritos malignos, por isso no período das 12 noites, entre 24 de dezembro e 6 de janeiro, todo o cuidado era pouco... para espantar os poderes do mal, se fazia muito barulho, especialmente na última noite do ano, soltando fogos, que ainda são usados até hoje, e em todo nosso país. Talvez para o brasileiro tenha outro sentido, mas para nós pomeranos, é para espantar as coisas ruins.
È de costume nas noites de Natal,
o escolinha de Natal, onde a comunidade se reúne na igreja e o grupo de
crianças e jovens se apresentam,
encenando a história de Maria e José e recitando versos bíblicos; eu
particularmente adorava!, tinha era um certo desconforto em falar no microfone!
Muito tímida...
Este costume não conheci, mas
conta o livro do Sr. Helmar, que nas noites de ano novo as moças solteiras abriam
a porta de entrada da casa e ficando de costas, jogavam um chinelo por cima da
cabeça, para trás; se o chinelo caísse indicando para fora da casa, era sinal
de que iria se casar naquele
novo ano; mas se o chinelo ficasse indicando para
dentro da casa, então ainda não se casaria naquele ano.
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Zilda, Leci, Zilma Stain Radatz |
Outra data muito importante para
nós pomeranos é a Páscoa, é o renascimento de Cristo. O livro fala que desde
tempos antigos existia o “Osterstiepen”, oster é Páscoa e stiepen é
cutucar; aqui em nossa região acredito
que as pessoas só conhecem por “stiepas”, que é um grupo de pessoas que saem na
madrugada da Páscoa, de casa em casa, para fazer serenatas. Também na madrugada
da Páscoa pode ser colhida a “osterwoter”, água da Páscoa; tem que ser colhida
de rio ou córrego, em silêncio, senão ela perde seu poder de cura e apodrece.
Aprendi este costume de minha avó, e até hoje colho a água em toda Páscoa. Esta
água se conserva por muitos anos, e pode ser consumida que não tem gosto algum,
é muito boa; ao contrário se colhemos água, com os mesmos cuidados, porem não
na Páscoa, ela não se conserva, dentro de poucas semanas, está podre. Provas cientificamente de como esta água não se deteriora eu não tenho como explicar, mas sei que funciona... acredito que é só mais um dos inúmeros mistérios de nosso povo.
Pentecostes também é uma data
importantíssima para a nossa cultura; significa a vinda do Espírito Santo para
os apóstolos. O Pentecostes é celebrado cinquenta dias depois do domingo de
Páscoa; e conforme nos relata a Bíblia, após a ressurreição, Jesus Cristo ainda permaneceu com seus
discípulos por quarenta dias; e mais os três que ficou na sepultura, somam-se
quarenta e três dias, sendo que o dia de Pentecostes ocorre no sétimo dia
depois da ascensão Dele. Penta, matematicamente falando, é sete, por isso a
razão do nome Pentecostes.
Na festa de Pentecostes as casas
eram e ainda são enfeitadas com galhos de palmitos; inclusive os galpões.
Acredita-se que estes galhos protegem as casas contra incêndios; que muitas
vezes são iniciados por raios. Estes galhos de palmitos devem ser cortados no
sábado, e no domingo de Pentecostes, devem ser trazidos para dentro de casa,
sempre antes do sol nascer; e com muita alegria posso dizer que este costume
aqui em casa ainda é praticado.
Costume também trazido de tempos
remotos e ainda praticado em nosso meio religioso é a festa da colheita, ou
como se diz aqui, benção da colheita. Exemplares de todos os frutos do
campo são trazidos e colocados perante o
altar, em demonstração de gratidão e também com o intuito de receber benções.
Atualmente os alimentos recebidos nos cultos de benção da colheita são doados à
entidades sem fins lucrativos, como creches e asilos.
Também conta o livro que o
casamento, a hochtied, é a maior e mais rica festa do povo pomerano, e na minha
opinião, ainda hoje é uma festa muito animada. Antigamente, conforme escritos,
a festa era iniciada na sexta-feira e terminava no domingo, porém esta regra só
valia para proprietários de terras, pois quem tinha poucas posses, casava-se no
domingo. O anúncio do casamento, primeiramente era feito no culto; e se a noiva
participava da Ceia vestindo um sobretudo e tinha a cabeça cingida com tecido
em finas tiras, era sinal de que estava entrando virgem para o matrimônio.
O próximo passo, depois do anúncio
da hochtied lá no culto, é a entrada em cena da figura do hochtiedsbirrer, ou
seja, aquela pessoa encarregada de visitar casa por casa e convidar para a
festa; e normalmente esta tarefa era executada por um irmão solteiro da noiva.
Nos dias de hoje, os próprios noivos realizam o convite; e de costume se paga
algum valor pelo convite, em sinal de agradecimento.
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Eu não tive a oportunidade de participar deste costume que vou agora relatar, porém meus avós muito falaram do polterowend; que é um ritual de quebrar louças, e acreditava-se que através do barulho produzido se poderia afastar os maus espíritos. Este quebra louças era realizado nas sextas-feiras à noite. Um fato que achei curioso é que não era permitido quebrar vidros, pois estes simbolizavam sorte; somente poderiam ser quebradas louças de porcelana e cerâmica. No livro do senhor Helmar está o relato de como este costume era praticado lá na Pomerânia. Dentro da sala, atrás de uma mesa, sentavam-se os noivos, as irmãs ou parentes mais próximos, e estes recitavam versos e faziam brincadeiras, e desta forma se iniciava o quebra louças, acompanhado de muita gritaria e barulho de panelas sendo batidas umas nas outras.
Acreditava-se que se os noivos
realizassem a tarefa de limpar a casa juntos, isto traria paz matrimonial. Um
fato que me chamou a atenção nesta minha leitura é que somente o noivo podia
usar a pá durante o trabalho de limpeza; o que simbolizava que era ele que
detinha o leme no matrimônio.
Outro costume nos preparativos de um casamento é a vizinhança levar uma galinha, que é abatida e usada na sopa. A galinha tem um significado especial para nós pomeranos, ela fica solta no pátio e sempre vê tudo, cacarejando quando nota coisas que lhe são estranhas; e por este motivo se serve carne de galinha nos casamentos, para que os convidados possam receber um pouquinho desta percepção aguçada das galinhas, e deste forma ajudar o novo casal a sempre seguir pelo melhor caminho. Eu muito carreguei galinhas aqui na vizinhança, confesso que ficava muito triste, visto que eu adorava minhas galinhas e inclusive dava nome a elas...
O dia do casamento é o auge,
muita alegria e verdadeiros banquetes. A festa sempre começa muito cedo, e
nunca podem faltar os músicos; estes tem o papel de trazer os convidados para
dentro do salão, onde se realizará a festa, em pomerano este ritual se chama
hochtied inspäle, Além da bela música, antes de cumprimentar os noivos, aos
convidados é oferecido um trago de vinho.
Conta o livro que as noivas
passaram a se vestir de branco a partir do ano de 1900, antes todos casavam de
preto, em respeito à igreja. Os pomeranos sempre creram na magia do anel, por
isso sempre trocaram alianças, pois um anel tem forma de círculo fechado, que
não tem fim, assim também deveria ser o amor e o compromisso entre os noivos,
sem fim.
Nos casamentos atuais, nos
quais tenho a oportunidade de
participar, seguem os banquetes, porém
não mais fazem arroz doce polvilhado com canela em pó, como era de costume nos
tempos antigos, segundo histórias de minha saudosa avó.
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Atualmente os casamentos ocorrem
aos sábados, e no domingo as pessoas se reúnem novamente, os mais íntimos, e jogam cartas e consomem as comidas e bebidas
que sobraram da festa.
Antigamente toda noiva recebia
como herança, quando casava, um baú, uma cama, algumas roupas, uma vaca e um
potro. È claro que nem todos podiam
oferecer isto, era só as famílias em boas condições financeiras que tinham este
costume.
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Noivas de preto... |
Atualmente o preparo da pessoa
falecida fica a cargo da funerária, porém em tempos não tão remotos, o banho do
defunto era dado em casa, normalmente por uma das mulheres mais velhas da
vizinhança; e a água deste banho nunca podia ser descartada em locais onde
outras pessoas e animais pudessem pisar, e por isso tinha que ser jogada sobre
arbustos. A toalha usada para secar a pessoa tinha que ser mandada junto no
caixão, e a bacia tinha que ser destruída.
Os vizinhos, ao saberem da morte, avisam o encarregado para bater o sino
na igreja. A sepultura é cavada no dia seguinte ao da morte, pois não é de
costume enterrar a pessoa no mesmo dia em que falece.
Após a oração feita pelo pastor, todos os presentes se
despedem do morto, colocando sobre ele a mão direita; e na sepultura, os mais
íntimos se despedem jogando três vezes terra sobre o caixão.
A LÍNGUA POMERANA NO MUNICÍPIO
A vestimenta do defunto, em tempos remotos, era uma mortalha
branca de gola franzida; e as mangas eram amarradas com fita cor lilás. As
moças solteiras eram vestidas com roupas de casamento, inclusive com véu e
grinalda de murta. Quando morriam crianças, era costume colocar brinquedos no
caixão. O hinário e a bíblia eram dados a todo falecido; assim como objetos de
uso pessoal; e eu acredito que por este motivo muitos livros e objetos antigos
foram desaparecendo.
Assim como lá na Pomerânia, ainda hoje é de costume velar o
defunto com os pés apontando para a porta, jamais o rosto, porque este deve
ficar enxergando o caminho que leva ao reino celeste. Nós pomeranos éramos e
ainda somos cheios de crenças; e num velório todos os detalhes são observados;
como por exemplo se as mãos do morto permanecem ou não juntas; se os olhos se
entreabrem, etc.
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Marta e Alberto Radatz (criança a esquerda minha vó Alma) |
Atualmente não mais ocorre este fato que vou descrever agora;
porém antigamente era de costume os participantes do sepultamento se dirigirem
à casa do falecido para lá fazer uma refeição, na qual tinha inclusive
aguardente, e por este motivo logo esta reunião se transformava numa
confraternização para lá de barulhenta.
Na Pomerânia, segundo o livro, existiam inúmeras histórias de
pessoas que não conseguiam sossego na sepultura; e por este motivo ficavam
vagando como assombrações; e os vivos diziam “hei hät sich meldt”- ele se
manifestou; “hei mut wandere”- ele precisa vagar. Vários podiam ser os motivos
para este não sossego, como por exemplo em vida ter feito falso juramento, ter levado segredos para a sepultura, não ter
sido atendido seu último pedido feito em vida, etc.
Outro costume herdado de nossos antepassados é sepultar os
suicidas em local separado dos outros; normalmente bem no canto do cemitério.
Ainda hoje também é notável o respeito e o amor que os
pomeranos tem por seus mortos, as sepulturas são, por vezes, verdadeiras obras
de arte e todas muito enfeitadas com lindas flores.
Outro tópico importante é o brasão de nossa antiga terra mãe,
que é o grifo, de cor vermelha. O grifo já aparecia na cultura babilônica, grega
e romana. Esta figura mitológica tem a parte da frente de seu corpo o formato
de uma águia de asas abertas, e a parte traseira é de um leão. A águia
representa a boa visão, a vigilância e o leão representa a força; ou seja, é um
símbolo que representa poder. A referência mais antiga do uso do grifo, entre
os pomeranos, foi num documento datado de 1.194.
O livro do sr. Helmar também fala de um hino da Pomerânia,
escrito por um estudante de teologia e filosofia , Gustav Adolf Reinhardt
Pompe, em 1.852, que em época de faculdade observou que todos os colegas
cantavam canções que falavam de sua terra, e ele não tinha nenhuma, então
resolveu escrever. Este hino está escrito em alemão, e eu pretendo passar para
o pomerano e publicar aqui no blog.
Antes de expôr meu próximo resumo de um livro que estou
lendo, acredito ser importante mencionar
que em nosso município está sendo realizado um trabalho pela Secretaria da
Educação, com o intuito de implantar o ensino da língua pomerana nas escolas
municipais. A língua pomerana é falada aqui no RS e também em mais quatro
estados, o ES, SC, PR e RO.
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Sociedade Escolar favila 1ºdistrito (igreja funcionava também como escola,e o pastor dava aula |
Na minha opinião, o estado do ES está de parabéns e muito à
frente do nosso, no quesito preservação da língua pomerana, visto que lá já
co-oficializaram a língua entre 2007 e 2008 e desde então existe nas escolas o
ensino da língua, falada e escrita. Sei também que há um projeto que visa a
especialização dos professores e a elaboração de material escrito para ser
usado em aula.
Acredito que em nosso município de Canguçu também se poderia
co-oficializar a língua Pomerana, porém teria de ser criada uma Comissão
Municipal de Políticas Linguísticas e depois elaborar e regulamentar uma lei
que tratasse deste assunto; e posteriormente pedir auxílio ao IPOL, que é o
Instituto que promove a diversidade linguística no Brasil. Tenho esperança que
um dia alguém do poder público municipal abrace esta causa!
Existem pesquisas que mostram que no Brasil de 1500 existiam em
torno de 1000 línguas faladas e que atualmente só restam 15% deste montante; e
o que apavora é que são as políticas culturais de proibição, de desautorização,
de minorização e exclusão das escolas, que foram responsáveis pelo
desaparecimento destas línguas. Podemos dizer que o Brasil optou pela cidadania
de uma só língua, e que tudo começou lá na política antiindígena do Marquês de
Pombal e em tempos menos antigos, no Estado Novo do presidente Vargas, entre
1938 e 1945; o primeiro atacou as línguas indígenas, já o segundo, as línguas
de imigração; mas como já havia mencionado, tenho esperança e sonho que a
língua pomerana não tenha o mesmo destino de tantas outras, a extinção.
Tenho me aventurado a escrever algumas frases em pomerano; faço
votos que consigam ler!; mas para quem não é falante deste idioma, tem também a
tradução.
In deisa weinig sriwt wil ik gans klar sün; bijn fon Canguçu-RS,
un mijn fründa sun ala Pomerischa, um wait ik ni wouweegen as daí ni meir
Pomerisch fortela... Ik umkümra mij da mit um frag wouweegen dat sou mut Sun?,
alas wad forgeeta tu rasch, tu rasch...
Tradução: Nestas poucas palavras bem objetiva quero ser, sou de
Canguçu-RS, e meus parentes todos são pomeranos; mas não sei porque não mais
falam o pomerano... Eu me importo com a língua e me pergunto porque tem de ser
assim?, tudo é esquecido muito rapidamente, muito rapidamente...
Fater ous wat im himel is, hailich is dij name, koom dij reich;
dijn luust muid makt wara, im himel un am eirbour, us broud giwt ous hüüt;
forget ous betalan; wem ous muida betalan, forgeeta wij ouk, dau ous ni in
unglük lota gaa, owa bring dat unglük weeg, den dia is dai himel, dai cräft un
alas fur ümer. Amén.
Tradução: (tentei escrever acima, uma prece parecida com o Pai
Nosso) “Pai Nosso que estás no céu, santificado seja o Teu nome, venha o Teu
reino, seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu, o pão nosso de
cada dia nos dá hoje, perdoa nossas dívidas, assim como nós também perdoamos
nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois Teu é o reino, o poder e a glória, para
sempre. Amén.
Ik wil hijr ni blous utfröiga, ik wil wat maka dato us
mutersprak ni inschlapa deit…
Tradução: Não quero aqui apenas fazer perguntas, quero poder
fazer algo para nossa língua mãe não adormecer para sempre...
Estes pequenos trechos que escrevi me fizeram refletir, ou quem
sabe filosofar... Aqui em Canguçu, em fim do ano de 2014, pude participar de um
curso que foi propiciado pela Secretaria da Educação, no qual estava presente
uma professora lá do estado do ES, e que na minha opinião, tinha muito domínio
da língua pomerana, inclusive no quesito escrita; e que na oportunidade
incentivou as autoridades presentes a darem início ao projeto de inserção da
língua nas escolas daqui de Canguçu. Confesso que fiquei muito feliz com o
fato, porém dias depois escutei na rua pessoas falando contra a implantação
desta língua; alegando que é uma coisa do passado, que já ninguém mais usa e
que para nada serve; há quem diga inclusive que, se querem falar esta língua,
que se mudem daqui...
Acredito que estas coisas relacionadas a projetos e políticas
são realmente complicadas, sempre existirão os dois lados da moeda, uns a
favor, outros contra. Eu sou suspeita para falar, defendo os pomeranos, porém
muitas pessoas acham que nós somos pessoas paradas no tempo, que só pensam em
dançar, beber e comer muito, ou seja, somente conseguem ver os pontos típicos
ou folclóricos, não observando que não é um povo que parou no tempo, embora
ainda trabalhem na roça, usem chapéus de palha e sigam fazendo suas festas
conforme as tradições de seus antepassados; mas que ainda assim, não vivem
isolados da sociedade, muito pelo contrário, alavancam o comércio local e fazem
a economia girar. Nossos antepassados vieram para o Brasil não para tirar o
lugar de ninguém, vieram para sobreviver, fugindo de misérias e guerras; e
certamente fizeram sua Pomerânia aqui, construindo suas casas e adquirindo suas
pequenas propriedades; não almejando retornar para um lugar de onde foram
banidos. Todos os povos estão em constante mudança, mas nem por isso precisam
abandonar sua cultura ou julgar a cultura de outrem inferior à sua, pois existe
espaço para todos dentro da sociedade; o que tem de haver é respeito e diálogo.
Tomara que o incentivo ao uso da língua pomerana aqui em nosso município siga
avançando!!!!
Foto antiga do caminhão que era ostentação na época, Família do Artur Reichow |
Pequenos textos que digito aqui neste blog sempre são
inspirados por acontecimentos que vivi ou que vivo; como frases que ouço, tipo
“hai het sich sou feel in nudeldt” (ele bebeu demais); ou a frase que eu
considero de autoria de minha avó, em resposta à pergunta de “como vais, sempre
respondia up twaia baina” (sobre duas pernas!) .
A minha língua mãe, a pomerana, sempre me encantou e com o
incentivo de amigos, me arrisco a registrar algumas frases, conforme a
pronúncia; visto que com certeza não estão corretas, gramaticalmente falando;
porém sempre é um registro!
O povo pomerano sempre foi muito de crenças, e a mistura com
os germânicos inibiu um pouco esta particularidade, mas ainda assim vários são
os relatos de práticas mágicas entre nosso povo. Obtive acesso a alguns
trabalhos e livro da doutora em sociologia, Joana Bahia; que aborda este tema.
Segundo Joana Bahia, inicialmente nas comunidades pomeranas
aqui do Brasil, as mulheres eram bilíngues
e os homens trílingues, as mulheres frequentavam a igreja , onde
praticavam a língua alemã e em casa falavam o pomerano, já os homens, além
destes dois ambientes, frequentavam o mercado, onde comercializavam sua
produção e desta forma eram forçados a aprender a língua portuguesa.
Ainda hoje, na região onde moro, muitas tarefas ainda são
somente femininas, como fazer pão, cuidar da horta e do jardim, lavar roupas e
cuidar dos filhos; a mulher é o alicerce para manter uma propriedade com boa
aparência ao redor da moradia; além de ser o braço direito do homem na lavoura,
ou seja, ela é multi-tarefa!.
Uma qualidade que as mulheres pomeranas possuem é o dom da
benzedura, que na minha opinião, não é bem vista aos olhos da igreja, pois
associam benzeduras à bruxarias; porém ainda assim, é um dom muito usado e não
entra em conflito com a religiosidade; visto que são rezas feitas para curar
doenças físicas e mentais. Estas rezas sempre são pronunciadas em língua alemã,
não são compreendidas por quem as vê e ouve fazendo as rezas; são segredos,
somente são passadas para pessoas que tem o dom e elas próprias fazem suas
anotações, conforme as receberam de sua mãe ou avó. Minha avó materna sempre
fazia estas rezas, o “bispreeka” (benzer).
Atualmente as pessoas correm tanto; que ao meu ver, muitas
vezes nem lembram de quão rica é a história que muitas vezes está guardada em
nossas gavetas e apenas precisa ser apreciada e repassada para quem ainda não
teve a oportunidade de vê-la com admiração e muito respeito.
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